quinta-feira, 15 de maio de 2014

Valor(?)


        Despertara... nos sonhos e na vida! Quem é ele? Talvez seja você... Mais provável
que seja eu, pois, todos os dias se odiava frente ao espelho sem jamais deixar de
ser egocêntrico. O discurso sempre é apenas conveniente. Então, enquanto se
maltratava, tratava de arrumar-se para ver o dia. Tinha olhos tão escuros quanto o próprio traje
e os cabelos em total desmazelo. No semblante, sono e dúvida. Na mão, uma rosa e um
punhal.
        Eis que, de súbito o sentimento desfizera o homem! Ela lhe amedrontava só por ser
tão estonteante. Quem é ela? Talvez seja eu... Mais provável que não mais alguém.
Uma mulher que, mesmo que por ele olvidada, tanto o amava! Tal qual o homem, os
olhos negros eram o pórtico dos desejos e o sorriso a tormenta de quem a
maltratava. 
        Despertara... O homem se fazia de sorriso e se sentia feito rosa para poesia. Amado
e amante, sonhava, cantava e jurava! Já não sabia que o poderia! E à noite, todos
os dias, prometia momentos de glória para que a lua não deixasse de iluminar a
praça. Esperava.
        Anos e anos ele esperara e amara. Alegrias iam e vinham feito albor. Mas, as rosas
mais belas ainda murcham e o punhal mais assassino ainda perfura: Eis que, de
súbito o sentimento desfizera o homem. Beijara a jovem aquele que ousara vir mais
cedo e, entre fumaça, loucura e medo a mulher, tão pálida e amada, deixara só o
amante apunhalado.
         _Levaram-na! Levaram-na!- Urrava o homem.
        Despertara... procurando o nome daquele que empalideceu tanto o seu amor. Pensou em
chamá-la mas não havia voz.  Batia em porta por porta. Perdia-se em corredor por
corredor. Relia seus livros e o muro descascado. Nada além da culpa, em um
dicionário. Desfazia-se dia após dia em seu fascínio em saber o nome do desgraçado
e o porquê de sua pálida amada ter desejado o seu beijo.
        Eis que, de súbito, o sentimento desperta o homem do seu pesadelo rotineiro.
Aturdido, o homem lava o rosto enquanto se culpa frente ao espelho. Pega o casaco
negro. Sai sem trancar a porta. Caminha entre prantos e sorrisos rumando a mulher
amada. 
        Então, ele abre o portão cumprimentando corvo por corvo. Deixa no vaso a rosa já
murcha, beija a fotografia entre juras de amor eterno. Enquanto sai sem nunca dizer
“adeus”, sempre olha para trás. Nada além da lápide da jovem amada, revelando o
nome do ladrão; reacendendo o remorso que maltrata quem maltratava.
 
Cristiano Durães